A questão sobre se um policial pode ou não mexer no celular de um cidadão durante uma abordagem é um tema que gera muitas dúvidas. Com o crescente uso de dispositivos móveis para diversas atividades, incluindo comunicação e armazenamento de dados pessoais, a proteção desses dados se tornou uma questão extremamente atual no direito brasileiro. Este artigo abordará em detalhes os aspectos legais e práticos dessa questão, oferecendo uma visão completa sobre os limites e direitos envolvidos.
1. Base legal para abordagens policiais
O fundamento de autorização das abordagens policiais encontra respaldo na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. O artigo 5º da Constituição Federal garante a inviolabilidade do lar e o sigilo das comunicações, mas também estabelece que, em casos de flagrante delito, há exceções a esses direitos. Além disso, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de abordagem e revista pessoal em situações de suspeita fundada.
1.1 Direitos do cidadão durante uma abordagem
Os cidadãos possuem o direito de saber o motivo da abordagem e de não serem submetidos a tratamentos desrespeitosos. Além disso, é garantido o direito ao silêncio e à presença de um advogado. A inviolabilidade da intimidade e da vida privada também é um princípio assegurado pela Constituição.
1.2 Limites da ação policial
A atuação policial durante uma abordagem deve respeitar os direitos fundamentais do cidadão. A revista pessoal deve ser proporcional à situação e justificada pela necessidade de segurança pública. Qualquer ação que ultrapasse esses limites pode ser considerada abuso de autoridade.
No atendimento as prisões em flagrante, tem sido cada vez mais comum, principalmente aqueles ligados a lei de drogas, a apreensão de aparelhos telefônicos dos flagranteados, e com a apreensão o principal objetivo é o acesso as conversas e aos demais dados do WhatsApp para fins de realização de prova da traficância, neste contexto, abordaremos este acesso que até mesmo tem sido feito pelos próprios policiais militares durante as abordagens policiais, que solicitam o aparelho já desbloqueado ou intimidam os autuados a inserir a senha.
Como já disse anteriormente — é importante jamais resistir a abordagem policial, neste aspecto, infelizmente, em algumas ocasiões temos visto relatos de pessoas detidas que sofreram abusos durante a abordagem policial, quer seja por ameaças feitas pelos agentes de segurança pública ou até mesmo pelo uso de violência física.
Como se sabe, de acordo com nossa legislação, o policial civil ou militar, não pode coagir ou forçar nenhum cidadão, a inserir a senha do celular ou dizê-la durante a abordagem policial/blitz para a realização de busca de provas no aparelho do indivíduo, com exceção dos casos em que houver anterior e expressa determinação judicial, e caso ocorra este acesso sem o consentimento do autuado, esta prova deve ser imprestável, por ser claramente ilegal.
A Constituição Federal em seu art. 5º, XII, garante aos cidadãos brasileiros o sigilo telefônico — assim, de acordo com o princípio da não autoincriminação, nenhuma pessoa é obrigada a produzir provas contra si mesma, por óbvio, que qualquer tentativa de forçar o autuado neste sentido torna esta prova ilegal —já que a lei traz em seu texto a garantia de silêncio ao cidadão.
Desta maneira — temos proteção legal as nossas mensagens pessoais, imagens, e-mails, dados confidenciais e bancários, agenda de contatos e tantas outros conteúdos existentes em smartphones, isto inclusive já foi objeto de julgamento do STJ no HC 89.981.
Além disso, o policial ao agir com excesso, está cometendo abuso de autoridade (Lei nº 13.869/19) — a legislação criminalizou a conduta de infligir constrangimento ao preso ou o detento:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III - (VETADO).
III - produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Cuja a pena imposta poderá ser de 1 a 4 anos, e multa, cumulada com a pena correspondente a violência praticada.
E não é só, o Superior Tribunal de Justiça, já formou entendimento que inclusive, o policial não pode acessar as notificações que aparecem na tela do aparelho telefônico, já que é comum que os policiais acessem as notificações sem inserir a senha ou ainda desbloquear o celular, no momento, da prisão em flagrante.
O acesso as notificações, bem como o acesso de quaisquer dados contidos no celular da pessoa abordada, depende de autorização judicial, por ser clara violação ao sigilo das comunicações, podendo ser declarado como um meio inválido/nulo de colheita de provas.
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. AÇÃO CONTROLADA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. MERA COLHEITA INICIAL DE PROVAS DO CRIME INVESTIGADO. SÚMULA 7 DO STJ. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. NÃO OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO NÃO PROVIDO. [...] 3. "A jurisprudência das duas Turmas da Terceira Seção deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de ser ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes de mensagens de textos SMS, conversas por meio de programa ou aplicativos ('WhatsApp'), mensagens enviadas ou recebidas por meio de correio eletrônico, obtidos diretamente pela polícia no momento do flagrante, sem prévia autorização judicial para análise dos dados armazenados no telefone móvel" (HC 372.762/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 3/10/2017, DJe 16/10/2017). 4. Entretanto, no caso dos autos, não haveria prova de que os policiais teriam acessado o celular da agravante antes da autorização judicial, constando, inclusive, da prova oral que ela teria permanecido na posse do aparelho mesmo após o flagrante. 5. Dessarte, para se concluir em sentido diverso haveria necessidade de reexame fático-probatório, incabível na presente via, a teor do já mencionado enunciado sumular. 6. Agravo regimental desprovido (AgRg no AREsp n. 2.269.780/DF, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/4/2023, DJe de 24/4/2023)
Também é muito comum, que as pessoas mais carentes forneçam espontaneamente o acesso ao telefone, até mesmo2. Quando o policial pode acessar o celular
2.1. Casos de flagrante delito
A legislação brasileira permite que, em casos de flagrante delito, o policial tenha uma maior margem de atuação. Isso inclui a possibilidade de acesso ao celular do abordado, caso existam indícios claros de que o dispositivo está relacionado ao crime, porém como vimos a pessoa não pode ser obrigada a inserir a senha.
2.2. Existência de mandado judicial
Em situações fora do flagrante, o acesso ao celular do cidadão por parte da polícia só é permitido mediante um mandado judicial específico. Esse mandado deve estar fundamentado em fortes indícios de prática criminosa e deve detalhar o motivo da necessidade de acesso ao dispositivo.
3. O que o policial pode fazer durante o acesso
3.1. Limitação ao conteúdo acessível
Mesmo quando autorizado a acessar o celular, o policial deve restringir sua busca ao conteúdo diretamente relacionado ao crime sob investigação. Qualquer acesso a informações pessoais irrelevantes para a investigação pode ser considerado abuso de autoridade.
3.2. Registro da ação policial
O policial que acessar o celular deve registrar formalmente a ação, justificando o motivo do acesso e detalhando as informações obtidas. Isso serve como uma garantia tanto para o cidadão quanto para o policial, evitando questionamentos futuros sobre a legalidade da ação.
4. Consequências do acesso indevido
4.1. Abuso de autoridade
O acesso ao celular sem justificativa legal clara pode configurar abuso de autoridade, crime previsto na Lei nº 13.869/2019. Isso inclui a utilização de informações obtidas ilegalmente para constranger ou prejudicar o cidadão abordado.
4.2. Prova ilícita
Qualquer prova obtida por meio de acesso indevido ao celular é considerada ilícita, conforme o artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal. Essa prova não pode ser utilizada em processos judiciais e pode levar à nulidade de ações derivadas dela.
4.3. Responsabilidade civil e criminal
Além das consequências penais, o policial que comete abuso de autoridade ao acessar indevidamente o celular de um cidadão pode ser responsabilizado civilmente, sendo obrigado a reparar os danos causados ao Estado.
5. O que fazer em caso de abuso
5.1. Registrar a ocorrência
Se o cidadão entender que seus direitos foram violados durante uma abordagem policial, o primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência. Isso formaliza a denúncia e cria um registro oficial do abuso.
5.2. Procurar um advogado
É essencial contar com o suporte de um advogado especializado em direitos fundamentais para avaliar a melhor estratégia jurídica. O advogado poderá orientar o cidadão sobre as medidas legais cabíveis, incluindo a possibilidade de ação judicial por danos morais.
5.3. Denunciar o policial
Além das medidas judiciais, é possível denunciar o policial envolvido no abuso à Corregedoria da Polícia ou ao Ministério Público com atribuição para controle da atividade policial, que podem investigar o caso e aplicar sanções disciplinares ao agente.
6. Dicas importantes
6.1. Como agir durante uma abordagem
Durante uma abordagem policial, o cidadão deve manter a calma e seguir as instruções dos agentes. É fundamental não resistir à abordagem e solicitar informações sobre o motivo da ação, registrando todos os detalhes possíveis para eventual defesa.
6.2. O que levar em consideração ao adquirir um celular
Ao adquirir um celular, é importante considerar medidas de segurança que protejam seus dados. Isso inclui o uso de senhas, criptografia e backups regulares para minimizar o risco de perda de informações sensíveis.
6.3. Recursos legais disponíveis
Os cidadãos que se sentirem prejudicados por uma abordagem indevida podem recorrer a diversos recursos legais, como habeas corpus preventivo, denúncias formais e ações de indenização por danos morais pela violência policial, neste ponto, vale destacar que não é recomendável franquear o acesso, ou fornecer a senha de desbloqueio.
Convivemos atualmente em um mundo permeado pela tecnologia, documentos que antes estavam em cofres e arquivos, hoje estão em nossos celulares, como vimos, jamais alguém poderá ser obrigado a entregar qualquer informação contida em seu celular a polícia, sem ordem judicial.
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